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O Início (10/02/2000)


Minha mãe, chamava-se ANNA ALVES DA COSTA. Nasceu em 13 de abril de 1900 e faleceu em 25-04-1975. Não foi uma mulher como as outras. Criada numa fazenda de café, em Cajobi-SP, adorava dar ordens e administrava todos que a rodeavam. Tinha um irmão mais velho dez anos, (João Domingos) e que passava grandes apertos em suas mãos. Era analfabeta. Naqueles idos do tempo, os pais não permitiam que as filhas mulheres aprendessem a ler, impossibilitando-as de escreverem aos namorados. Meu pai, Messias Francellino Medeiros, vindo de outras plagas, foi escolhido pelo sr. Joaquim, para casar-se com a sua filha Sianna. Coitado do Messias, mal sabia que iria casar-se com um furacão. O enlace aconteceu em 1913 e, em 1914, com apenas treze anos de idade, teve o meu irmão. Ainda era uma menina! Em 1924, também cheguei! Cheguei para poder assistir à tragédia teatral de uma mulher que não teve a oportunidade de escolher o seu próprio marido. Se o Shakespeare tivesse nascido no mesmo tempo, teria, na certa, um prato cheio para emoldurar as suas Tragédias. Chegou a descarregar um revólver em cima do meu pai que escapou por pouco. Há um ditado para quem morre que diz: Chegou a hora e, a hora dele, ainda não era aquela. O Messias era um homem bom, cordato e conquistava amigos com facilidade. Era incapaz de ofender uma mosca. Não queria abandonar o lar porque amava os dois únicos filhos. Tinha, em Cajobí, uma oficina mecânica de automóvel. Donana, querendo vê-lo pelas costas, em 1927, vendeu tudo e embarcou com os dois filhos para o Alto Cafezal-SP, hoje, a cidade de Marília. Foi a primeira costureira da vila em formação. Ganhou dinheiro, construiu uma casa na Pça. Saturnino de Brito (centro de Marília) mas, não satisfeita, seu espírito de paulista-bandeirante fê-la mudar para o Rio de Janeiro, em 1934, na época, Distrito Federal. Lá, começava outra nova batalha de sobrevivência. O grande mérito dessa paulista, apesar de analfabeta, era a formação intelectual dos dois únicos filhos. O mais velho, o Joaquim, formou-se em contabilidade e eu, cirurgião-dentista. Em toda minha infância, a palavra que mais ouvi, foi um 'NÃO!' Selecionava as minhas próprias namoradas, dificultando o meu relacionamento com as mesmas. Interessante, facilitava o meu flerte com suas amigas mais intimas. Acontece que estas, na idade, poderiam até ser minhas mães. Quando estava no último ano de odontologia, a minha turma, na faculdade, ganhou um passeio a Buenos Aires, tudo financiado pelo então presidente da Argentina Juan Carlos Peron, nas férias de julho. Um nosso professor providenciou o passaporte de toda a turma. Cheguei no Rio de Janeiro, na véspera do embarque, cheio de vida e com muita alegria, anunciei a grande viagem. Donanna deu um Nãããã0000! bem grande e ordenou-me: 'Você vai fazer uma dentadura de um cliente que arranjei pra você!' Quase chorei. Sempre fui um filho obediente e não tive outra alternativa. Com muito pesar, rasguei o meu passaporte. Não viajei, fiz a dentadura e o cliente me deu o maior calote. No reinicio das aulas, meus colegas me cercaram com perguntas: 'Que aconteceu? Nosso avião ainda esperou por você e nada!'. Eu, com vergonha, argumentei: 'Minha mãe adoeceu...'. E eles me falaram: 'Fomos ao Ministério das Relações da Argentina, em Buenos Aires, para agradecermos a grande oportunidade que tivemos. Lá, encontramos o embaixador do Chile que, ao saber de tudo, imediatamente programou nossa ida ao Chile, por conta do seu governo. Minha turma, de Buenos Aires, emendou a viagem ao Chile, enquanto eu, no Rio de Janeiro, trabalhava de graça. No dia 13 de dezembro de 1953, dia do meu casamento, Donana chegou para mim e com sua autoridade de sempre, determinou: 'Não quero que você se case com a Jahyra'. Resolvi enfrentá-la dizendo: 'Mamãe, esta é a primeira vez que vou desobedecê-la. Doravante serei um homem livre!'. Tenho certeza de que Deus estava do meu lado. Os quarenta e seis anos de Lua de Mel atestam esta felicidade. Meu neto número quatro, (dos 21), o Jenysson, ao saber desta estória complicada, falou-me: 'Vô que bom você ter agido desta maneira!'. Perguntei: por que? E ele: SE VOCÊ NÃO FIZESSE ISTO, EU NÃO TERIA NASCIDO" Waldemar. ( Nem você...Hélder)

 
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